segunda-feira, 24 de maio de 2010

Para Ser Lido Mais Tarde

Um dia
quando já não vieres dizer-me Vem
jantar
.
quando já não tiveres dificuldade
em chegar ao puxador
da porta quando
.
já não vieres dizer-me Pai
vem ver os meus deveres
.
quando esta luz que trazes nos cabelos
já não escorrer nos papéis em que trabalho
.
para ti será o começo de tudo
.
Uma outra vida haverá talvez para os teus sonhos
um outro mundo acolherá talvez enfim a tua oferenda
.
Hás-de ter alguma impaciência enquanto falo
Ouvirás com encanto alguém que não conheço
nem talvez ainda exista neste instante
.
Mas para mim será já tão frio e já tão tarde
.
E nem mesmo uma lembrança amarga
ou doce ficará
desta hora redonda
em que ninguém repara



Mário Dionísio, in O Silêncio Voluntário, 1966

8 comentários:

  1. A verdade é que o tempo é irreversível! Custa pensar no amanhã, no dia em que vamos levantar voo pela primeira vez e sair definitivamente debaixo da asa dos pais.
    Pessoalmente, sinto-me feliz por crescer e evoluir mas é penoso pensar que um dia já não dependerei deles. Não tanto por mim mas pelos meus pais. Como filha única, penso que o processo de crescimento será ainda mais doloroso. Contudo, quero preservar aqueles pequenos momentos infantis que ficarão para a vida, tal como, chamar "papá" ou dar aquele abraço quando se está triste. Porque a vida faz-se de pequenos momentos e todos nós sentimos a necessidade de preservar pequenos momentos do quotidiano da nossa infância.

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  2. O tempo é, mesmo, irreversível...
    São incontáveis as vezes que queremos voltar atrás e mudar o que fizemos, dizer o que não dissemos, retirar algumas palavras, mudar gestos e atitudes, e mil e uma coisas... Mas não é possível! E o importante é saber lidar com essa situação, perceber o quanto é importante aceitar o que está para trás e que não pode ser alterado e, quem sabe, aprender com isso. Aprender a tornar únicos os momentos que passamos com quem mais amamos, só assim eles se tornam especiais e não morrem, pois permanecem vivos na nossa memória até ao fim...
    Não sei quando me verei independente dos meus pais, não penso nisso. Acredito, por outro lado, que eles pensem mais nisso. Sempre cresci aqui, isto é a minha vida, estar com eles, ao lado deles, com a minha irmã como parceira - vida para mim não tem outra definição.
    Mas tenho plena consciência que esta situação mudará, contudo, quando chegar essa altura, acho que saberei lidar com a situação, ou melhor, saberemos. Dói e custa, é o "corte do cordão umbilical" mas é também o início de uma nova etapa, para ambos! Porque não encarar a situação assim? Tento, por agora, olhar para esta inevitabilidade, com um pensamento mais positivo.
    Independentemente do que acontecer, há coisas que não se esquecem e o amor nunca morre, e dentro de todas as amarguras que a separação pode causar, importa é salientar aquilo que de bom que existe e que nunca desaparecerá.

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  3. O menino é encantador! (:

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  4. Tenho de concordar, a fotografia é uma delícia! :)

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  5. A vida são fases; sucedem-se umas às outras. Existem, porém, aquelas que causam mais dor e sofrimento. A saída do "ninho" (como já foi dito) dos nossos pais é dolorosa, mas acaba por acontecer. E, na minha opinião, mesmo longe fisicamente, pais e filhos terão sempre uma relação inabalável. Acredito nisto profundamente e só quero poder ficar com eles muitos e muitos anos.

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  6. Do amor paternal à (des)ilusão da perda e do envelhecimento permaturo e aniquilador dos laços afectivos mais profundos. Consciência dorida da realidade ou pessimismo amargo de quem há pouco abandonara o PCP (1952)- o poema data de 1953 - e se encontrava numa fase de transição estética e emocional? Poema forte, deixando transparecer simultaneamente as vertentes racional e emocional, "Para ser lido mais tarde" é de uma presença "obrigatória" inegável num blogue de formação académica e social como o presente se vai afirmando! Um aplauso!

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  7. "Para se lido mais tarde",
    Eu, pessoalmente acho que já o comecei a ler...
    pois é lindo, é real, é o que mais cedo, ou mais tarde, nos acontece...
    a vida passa, nós passamos, passam os nossos sonhos e ilusões, crescem os nossos bebés, ficam homens, são pais, avós...
    e antes de partirmos..., sentimos, sofremos, amamos... quem por fim, acha, que já estamos a mais...
    Estarei a ser masoquista, ou real????
    Esta é para o meu filho, ...., que nunca me ache a mais...
    Com todo o meu amor....para ELE...ANDRÉ

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  8. Lindo...
    real...
    verdadeiro...
    já o começo a sentir...
    Um dia, sem que eu queira, eu sei que há-de chegar...
    Se cá estiver, se tu cá estiveres, dá-me a tua mão quando eu caír, como um dia, eu tá dei, para te levantares,e ensinar-te a andar...
    Foi por essas mãos, que cá estás, foram elas que te embalaram, te alimentaram e fizeram de ti o homem que hoje és...
    amanhã, quando caír, por favor
    ajuda a
    levantar-me,
    sem que eu te peça,
    mas com o mesmo amor,
    com que te ensinei a andar.
    Para ti meu filho...
    André

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