quarta-feira, 21 de abril de 2010

Fim



- Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes -
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas.

Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza:
A um morto nada se recusa,
E eu quero por força ir de burro...


Mário de Sá-Carneiro, Revista Athena, nº 2, 1924
.

8 comentários:

  1. Acho óptima esta referência poética. Entendo-a como um modo diferente de olhar e fazer poesia. Transmite-me, na sua simplicidade, alguma sensibilidade e despojamento, o que sinceramente me encanta.
    Mas o encantador burro!...está divinal e com pose de estrela americana! Também uma bela forma de casar fotografia com poesia! Gostei mesmo.

    ResponderEliminar
  2. Uma maneira diferente de acabar; sem o tipíco e habitual choro; as vestes negras... enfim, todo aquele ambiente pesado. Mas, porque não? Porque não encarar o fim da vida como o início de uma outra vida? São questões a pensar...
    Não posso deixar de concordar, a fotografia é encantadora! O burro está, de facto, realmente bem na fotografia. Adorei!

    ResponderEliminar
  3. No Dia Mundial do Livro, reencontro aqui um dos nossos maiores poetas do Modernismo, num poema que todos reconheceremos(que me desculpem os maios novos), também, pela voz e excelente música dos Trovante. Mário de Sá-Carneiro exprime, no entanto, em o "Fim", a vertente deceptiva que mais caracteriza os simbolistas-decadentistas, bem distante das sensações e dos entusiasmos do futurismo. Poema escrito no ano da sua morte, 1916, aos 26 anos de idade, revela uma personalidade instável, sobretudo na aceitação de si mesmo, e, simultaneamente, a capacidade de ironizar com a vida e a morte. Morte que ainda hoje é "maltratada", mesmo em "sítios oficiais", quando referido, enganosamente, que o local do seu suicídio ocorreu num Hotel de Nice. Na verdade, após as últimas palavras proferidas perante o seu amigo José Araújo a quem chamou ("Acabei agora de tomar cinco frascos de arseniato de estricnina. Peço-lhe que fique."), falece no "Hotel de Nice", na zona de Montmartre, em Paris (26 de Abril). Estou certo que não foi cumprida a sua vontade de ir de burro...

    ResponderEliminar
  4. É bastante original a forma como o autor fala do seu cortejo funebre. Gostaria de ter sentido de humor que me possibilitasse brincar com esta temática tão delicada e da qual todas as pessoas fogem. Contudo, penso que este poema é uma lufada de ar fresco que suaviza a abordagem desta temática.

    ResponderEliminar
  5. Diferente, muito diferente... Acho interessante a descrição e os pedidos que o autor faz.
    Deixar para trás a tristeza, a dor... Celebrar porque pode ser o início de uma vida melhor (para quem acredita).
    Achei imensa piada à ideia de querer ser transportado num burro :)

    ResponderEliminar
  6. Uma forma diferente de encarar a morte...
    Porquê não? :)

    ResponderEliminar
  7. É importante escolher o meio de transporte para a morte? De burro, a cavalo, a pé... Mas, só posso verdadeiramente fazer escolhas em vida. E quem me garante que morta pense da mesma maneira... Não será melhor dizer como Pessoa: não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
    Teresa Vasconcelos

    ResponderEliminar
  8. Já que vivemos uma vida marcada por tantos obstáculos, porque não podermos escolher o meio de transporte que nos levará à "outra vida"?
    Já que a morte é um episódio tão triste porque não torná-lo mais alegre?

    Gostei do poema e da fotografia também. :)

    Sara Pinto

    ResponderEliminar